Ghost Rider – A Estrada da Cura
“De repente você sumiu de
todas as vidas que você marcou.” (música Afterimage do álbum “Grace Under
Pressure” da banda Rush, 1984)
Já tinha escolhido o livro e
o tema para a publicação de hoje quando infelizmente li a notícia sobre o
acidente de helicóptero que levou a morte do jornalista Ricardo Boechat.
Fiquei bastante
impressionada e triste com o ocorrido e, ao pensar na dor das pessoas próximas
a ele, como a mãe, mulher, os filhos, irmãos e amigos, me coloquei
instantaneamente no lugar deles e me senti completamente insegura e vulnerável.
Além disso, não posso deixar de mencionar as tragédias recentes em Brumadinho e
no Clube de Regatas do Flamengo. Cada episódio deste abala nossas estruturas
emocionais.
Perdas, sejam elas quais
forem, nos fazem lembrar da nossa finitude e de que não temos controle de quase nada nesta vida.
Na verdade, o pesar pela morte de alguém nos leva aos porões assombrados das
nossas almas: um lugar que, se pudermos evitar, fazemos de bom grado.
“Quando meu mundo inteiro
foi arrancado de mim, fiquei me sentindo tão para baixo, fraco e desprotegido
que me tornei incapaz de lidar com os detalhes da vida, então tive que aceitar
a ajuda que me foi oferecida com muita boa vontade pela família e amigos. (...)
Talvez pela primeira vez na minha vida, abdiquei da minha independência e da
minha orgulhosa autossuficiência e, uma vez aberta, essa fresta da janela
deixou entrar uma brisa quente de compaixão. Minha visão de mundo foi
totalmente transformada. Atirei-me na direção de meus amigos de braços
abertos.” (trecho do livro Ghost Rider)
O luto é um assunto delicado
na sociedade Ocidental. Nossa cultura prima pela eterna felicidade, juventude e
prazer. “Sai pra lá” se alguém demonstra tristeza, solidão, fracasso ou
qualquer emoção negativa!
Negamos a existência da
perda de tal forma que, invariavelmente, adoecemos. E, na maior parte das vezes,
acabamos travando uma luta contra doenças como a depressão, o pânico, assim
como doenças crônicas, autoimune e até mesmo câncer.
“O que estou tentando dizer
é que nos últimos tempos eu ando bem desconfiado da pergunta ‘Por quê?’, já que
não ouso perguntar isso em relação ao que aconteceu com à minha filha, à minha
mulher, ao meu cachorro e ao meu melhor amigo. Até onde eu saiba não há um
‘porquê’, não há uma ‘justificativa’. Então, por que sair da cama de manhã? Por
que fingir que eu ‘estou levando a vida’?” (trecho do livro Ghost Rider)
Esse livro é um diário de
viagem escrito pelo famoso baterista da banda canadense Rush, Neil Peart, que
perdeu sua única filha, Selena, e a esposa, Jackie, no curto período de seis
meses. Diante deste golpe do destino, mencionado em muitos trechos pelo próprio
autor, Peart decide viajar de moto durante 14 meses sem um destino pré-estabelecido
para não só tentar superar a dor insuportável que sentia como também buscar um
sentido para continuar vivendo.
Ao acompanhá-lo nesta dura
jornada, somos induzidos a refletir sobre as nossas próprias perdas, que não
necessariamente estão relacionadas à morte de um ente querido, mas a todo tipo
de “morte”, perda ou não realização de algo desejado em nossas vidas: o término
de um relacionamento amoroso, de uma amizade ou de um casamento; um aborto, uma
gravidez nunca concebida, brigas em família ou doenças. Ou seja, quaisquer
tipos de perdas e sofrimentos que nos forçarão a enfrentar o luto.
“Tudo o que éramos, tudo em
que baseávamos nossas vidas e tudo em que acreditávamos se foi. Certa vez,
expressei em meu diário a sensação de estar ferido que me acompanha – um
sentimento muito semelhante ao de ser traído –, e concluí que eu tinha sido
traído pela Vida, e que isso deixa marcas profundas. Então, os traídos (como eu
e você) têm que começar tudo de novo, desde o Zero Absoluto, e construir alguma
nova versão da “Vida” na qual possamos “viver”. Não podemos de maneira alguma
nos agarrar àquilo em que acreditávamos, e tampouco podemos esquecer o que
realmente aconteceu em nossas vidas e nossos mundos. Nunca mais confiaremos na
Vida de novo.” (trecho do livro Ghost Rider)
Há momentos em que realmente
não confiamos mais na Vida, mas é necessário um esforço contínuo de reinvenção,
reconstrução e ressignificação dela. Sem esses movimentos, fica muito difícil
seguirmos em frente.
👏👏👏😘
ResponderExcluirMinha amiga, que linda dica de leitura...eu quero!!!
ResponderExcluirSem dúvidas vou ter que ler esse livro!!! Mais um excelente texto Cristina! Parabéns!
ResponderExcluirBom ler você Cris, ainda mais pela coragem de abordar assuntos densos. Sinceramente acredito que deveríamos ser preparados para lidar com a perda desde pequenos, pois todos, sem exceção, teremos que conviver com elas ao longo da existência. Na literatura é farto o acervo que aborda a temática, inclusive para crianças de todas as idades. Fico feliz por ter nos mostrado esse "medicamento".
ResponderExcluirSorry to hear about the loss of Ricardo Boechat.
ResponderExcluir"Há momentos em que realmente não confiamos mais na Vida..."
It reminds me of how the Roman philosopher Boethius has 'lady fortune' summarizing the inconsistencies of life in his greatest work, "The Consolation of Philosophy".
"It's my belief that history is a wheel. 'Inconstancy is my very essence,' says the wheel. Rise up on my spokes if you like but don't complain when you're cast back down into the depths. Good time pass away, but then so do the bad. Mutability is our tragedy, but it's also our hope. The worst of time, like the best, are always passing away."
-Boethius (Anicius Manlius Severinus), The Consolation of Philosophy
Thanks for sharing!
Abs
Muito bom!! Parabens!!!
ResponderExcluir