Longe da Árvore – Pais, Filhos e a busca da identidade

Tomei conhecimento desta obra através da leitura de outro livro, chamado “O que é que ele tem”, escrito pela cantora Olivia Byington. Ela conta a história nada romantizada da primeira experiência dela como mãe de seu filho mais velho, o João. Aos 22 anos, casada e apaixonada, Olivia aguardava ansiosa pela chegada de seu primogênito, mas o que ela não esperava era ter que lidar com uma criança que não correspondia aos padrões de normalidade. João nasceu com a Síndrome de Apert, uma doença genética rara que pode afetar 1 em até 200 mil nascidos.
 
Em uma entrevista para a Folha de São Paulo, Olivia disse que não foi fácil escrever o livro e que teve que tirar “do fundo do coração sentimentos que nem sempre são bons”. Ao ler o seu relato, percebemos as suas dificuldades em lidar com uma maternidade bastante complicada, mas isso não a impossibilitou de construir o laço afetivo com o filho que nasceu sem corresponder às suas expectativas.

No início de sua narrativa, ela sugere a leitura da obra de Andrew Solomon, “Longe da Árvore”, e diz que tomou como base os relatos que leu neste livro para contar a sua própria história.

O que mais me encantou no “O que é que ele tem” foi conhecer o João apesar de sua condição genética. Ao término do livro, me tornei fã do João e fiquei admirada com a coragem de Olivia em expor uma questão tão delicada de sua vida.

E se essa obra me fez pensar a relação pais e filhos, “Longe da Árvore” vai além, pois nos faz pensar em nossa condição humana. Para atravessar as páginas deste livro, é necessário fôlego e muita disposição. O leitor irá tomar conhecimento das histórias de pessoas “não ajustadas às definições usuais de ‘normalidade’” e que lutam pela sobrevivência neste mundo que não está preparado para conviver com as suas limitações e imperfeições.

Solomon fez em torno de duas mil entrevistas com pessoas que possuem surdez, autismo, esquizofrenia, nanismo, Síndrome de Down, transgeneridade, genialidade (os prodígios) e deficiência. Além disso, ele ainda aborda histórias de filhos que nasceram do estupro e filhos que se tornaram criminosos.

Como é construída a relação destes pais com essas crianças consideradas “longe da árvore”? “Os pais cujos filhos fazem tudo certo ficam com o crédito por isso, e o oposto da autocongratulação deles é a recriminação dirigida aos pais de crianças que fazem coisas erradas.” Quando o autor diz “coisas erradas” não significa apenas atitudes não aceitáveis por parte dos filhos, mas a ideia é que os pais falharam em alguma estância para que o filho tenha nascido ou desenvolvido qualquer tipo de deficiência.

“As identidades horizontais podem refletir genes recessivos, mutações aleatórias, influências pré-natais, ou valores e preferências que uma criança não compartilha com seus progenitores. Ser gay é uma identidade horizontal; a maioria das crianças gays tem pais heterossexuais e, embora sua sexualidade não seja determinada por seus iguais, elas aprendem a identidade gay observando e participando de uma subcultura fora da família. A deficiência física tende a ser horizontal, bem como a genialidade. A psicopatia é também muitas vezes horizontal; a maioria dos criminosos não é criada por mafiosos e deve inventar sua própria insídia. O mesmo acontece com problemas como o autismo e a deficiência intelectual. Uma criança concebida por estupro nasce com desafios emocionais que a própria mãe desconhece, ainda que advenham de seu trauma.”

O próprio Solomon se considera fora dos padrões considerados normais por ter dislexia e ser gay: “Está claro que identidade é um conceito finito. O que não está claro é a localização de seus limites. Em minha própria vida, a dislexia é uma doença, enquanto ser gay é uma identidade. Pergunto-me, porém, se teria sido o contrário caso meus pais não tivessem conseguido me ajudar a compensar a dislexia, mas tivessem alcançado o objetivo de alterar minha sexualidade.”

Ler essas histórias carregadas de muito sofrimento e luta não foi fácil, mas valeu bastante a pena. É, sem dúvida, uma forma de entrarmos em contato com as nossas próprias imperfeições assim como com os nossos preconceitos.

A leitura é um convite à reflexão profunda sobre a não linearidade da vida, às questões que fogem do nosso controle, às relações doentias e, principalmente, como nos relacionamos com todos ao nosso redor.

Termino esse texto com uma das várias frases que ficaram ecoando na minha cabeça: “O sofrimento é o limiar da intimidade, e a catástrofe dá brilho à dedicação”.



Comentários

  1. Cris, senti que a leitura destes livros devem mexer muito com o leitor... precisa de fôlego mesmo! Parabéns mais uma vez! No aguardo do próximo post...

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  2. Fiquei na pilha de ler, ainda que precisando me preparar para tal.... Obrigado pela dica!

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