Assombrações – Dissipando os fantasmas que dirigem as nossas vidas


No processo terapêutico, tomamos consciência da nossa sombra, do nosso lado escuro, e nele identificamos muitos fantasmas. O percurso é bastante doloroso e difícil de lidar. É a hora de começar a colocar defeito em tudo relacionado à terapia, desde a terapeuta até o horário da consulta. É um momento em que vozes internas sabotadoras clamam por nossa desistência no caminho do autoconhecimento.

“Há sempre alguém assombrando alguém (...) E você sabe quem eu sou. Mesmo que eu nunca tenha deixado meu nome ou telefone, estou trancada dentro de você...” (Carly Simon, “Haunting”)

Passei por diversos momentos nestes caminhos internos sombrios e incômodos, mas foi em 2017 que minha mente sofreu uma pane tão severa que tive medo de não achar nenhuma mola para me tirar do fundo do poço. Nestes momentos assombrosos, pessoas que nos querem bem surgem como anjo para nos ajudar.

Foi neste período que a querida amiga Raquel, companheira dos labirintos psíquicos, me deu o livro do James Hollis chamado “Assombrações: Dissipando os fantasmas que dirigem as nossas vidas”.

Ela sabia que eu andava aos trancos e barrancos – e a sugestão de leitura não poderia ser mais perfeita!

O autor “analisa como somos todos governados pela presença de entidades invisíveis – espíritos, fantasmas, influências ancestrais e parentais, vozes interiores, sonhos, impulsos, histórias não contadas, complexos, sincronicidades e mistérios – que percorrem nosso interior e toda a história.” Eu diria até “toda a nossa história de vida”, podendo muitas vezes nos atrapalhar absurdamente em nossa jornada.

Além disso, “Hollis fornece um meio para compreendê-los psicologicamente, examinando a persistência do passado que influencia nosso presente, nossas vidas conscientes, e notando que o encontro com o mistério é justamente o que a vida requer de todos nós. De tais encontros, pode surgir uma vida mais profunda, mais reflexiva, mais avaliada.”

Essa persistência do passado nada mais é do que pensamentos presos em fatos e acontecimentos ocorridos lá trás, muitos deles mal resolvidos dentro da gente, que impedem as nossas realizações pessoais, profissionais, amorosas, afetivas e familiares. Em suma, empacam a nossa vida! Pensamentos negativos, obsessivos e autodestrutivos só servem para nos paralisar diante da vida.

“Arrastamos fantasmas caros sobre a desarrumada cama da memória.” (Paul Hoover, em “Teoria das margens”)

“O mais doloroso estado de ser consiste em relembrar o futuro, particularmente aquele que nunca se poderá ter.” (Soren Kierkegaard)

“Não há outra realidade exceto aquela dentro de nós. É por isso que tantas pessoas vivem vidas tão irreais. Elas tomam imagens de fora delas como realidade e nunca permitem que o mundo interior se imponha.” (Herman Hesse, Demian)

Como de costume, eis alguns trechos da obra:

“Então, qual é a história “real” de nossas vidas? São todas reais ou irreais, provisórias? Existem as histórias que contamos a nós mesmos e as histórias que contamos para os outros. Algumas delas até podem ser reais. Mas quais são as histórias que estão ganhando forma por meio de nossas vidas cotidianas – histórias essas em relação às quais somos bastante, senão totalmente, desatentos? Quais são as histórias que representam nossas racionalizações, nossas defesas, as histórias nas quais permanecemos presos como moscas no melaço? (...) Que feridas passadas nossa autoestima mostra hoje nos desvios de nossas verdades mais profundas ou de nossa supercompensação e grandiosidade em relação aos roteiros estrangeiros a nossas almas? Quais histórias adquirimos como crianças, que ordens de marcha recebemos para servir nos capítulos remanescentes de nossa história? Devíamos ter sido a criança não vista, o consertador, o bode expiatório, o marginalizado? Como essas histórias persistem no presente?”

“Possivelmente as assombrações mais sutis de nossas vidas são os negócios inacabados do passado. Não digo isso nem para julgar, nem para desmerecer nossos ancestrais. Temos acesso a informação, modelos e, acima de tudo, “permissão” para fazer perguntas, correr riscos e seguir um caminho individual que teria sido impensável para nossos predecessores. Ainda assim, todos nós devemos atentar para o desafio posto por Jung quando percebeu que a maior tarefa que uma criança deve enfrentar é a vida não vivida de seus pais. Ademais, ele acreditava que ele, e talvez muitos de nós, estávamos sob a influência de coisas ou questões que foram deixadas incompletas ou não respondidas por... pais e avós e ancestrais mais distantes. Frequentemente nos parece que há um karma impessoal correndo por uma família e sendo passado de pai para filho. Sempre me pareceu que eu precisei responder a questões que o destino colocou diante de meus antepassados, que não tinham ainda sido respondidas, ou como se eu tivesse que completar, ou talvez dar seguimento a coisas que as eras do passado deixaram inacabadas.” Jung, Memories, Dreams, Reflections.

Comentários

  1. Espetacular Cris!!!
    Obrigada por compartilhar seu conhecimento.

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  2. Muito obrigada, Henriette, pelas palavras de incentivo! Grande abraço! :)

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  3. Amei o texto, esse assunto tem me interessado muito! É complexo, doloroso, mas necessario.To lendo esse livro do Jung agora :)

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  4. Respostas
    1. Muito obrigada, Gustavo!!! Gratidão pelo seu incentivo no caminho da escrita!! Grande abraço! :)

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  5. Jura, Ló? Que coincidência!!! De fato é um assunto muito complexo, doloroso, mas nos ajuda bastante quando entendemos o que está por trás dele. Saudades! Beijos! :)

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  6. Excelente texto! Fiquei louca pra ler esse livro! Gratidão!

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    1. Que beleza, Angela! Essa é a intenção do blog! Fico feliz pelo o seu interesse! Gratidão, querida! Beijos! :)

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  7. Forte, Cris! Impactada. Mais uma vez me vem à lembrança A Casa dos Espíriros, da Allende (preciso reler). E como entendo a essência da Constelação Familiar.

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  8. São raros os que dispõem de "companhia nos labirintos psíquicos". Desconfio que seja por merecimento. É preciso ter múltiplas coragens: para expressar esse turbilhão interno banido socialmente, para enfrentar das próprias sombras (muito mais confortável é apontar as alheias), para buscar variados tipos de ajuda (pois cada um tem um repertório no olhar e no cuidar).
    Nessa busca, ando me embrenhando nas trilhas da Constelação Familiar. Percebo, por sentir na pele e através da observação das histórias dos outros, o quanto herdamos emaranhamentos de nossos antepassados. Precisamos dos ritos e a modernidade nos afastou desses fecundos momentos que favorecem a transição de ciclos. É preciso marcar finalizações, se despedir, agradecer, viver o luto, aproveitar a oportunidade de manifestar o amor, devolver certas cargas que não nos pertencem. O que requer parar, ouvir, sentir, processar e expressar. Um desafio necessário para não sermos, como escreveu Fernando Pessoa, "cadáveres adiados".
    Pra variar, suas postagens me instigam a refletir e abordar outras perspectivas. A sensação que tenho é que, a cada texto, suas raízes se espalham e aprofundam. Parabéns Sra. Crespo!

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  9. Well written, thanks for sharing!

    The author "analyzes how we are all governed by the presence of..."; this is very appealing to me and runs in conjunction with the thought below, that seems to guide my daily life.

    "Don't criticize them; they are just what we would be
    under similar circumstances." - Abraham Lincoln

    Abs!

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  10. Sensacional! Gostei bastante do texto, e da referência a Demian, Hesse é um dos meus autores favoritos!

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